Notário anglo-saxão: sim, ele está presente na Austrália e na Nova Zelândia

Muito se afirma que o sistema anglo-saxão não comporta a função notarial. Esta não é a realidade na Austrália e na Nova Zelândia. A profissão requer formação específica.

Notário anglo-saxão: sim, ele está presente na Austrália e na Nova Zelândia

Muito se afirma que o sistema anglo-saxão não comporta a função notarial. Esta não é a realidade na Austrália e na Nova Zelândia, países de origem britânica onde a atuação notarial é requisitada para a prática de atos autênticos destinados a terem eficácia e validade no exterior. A profissão requer formação específica e está presente em todos os Estados e territórios australianos, como explica Michael Bula, representante especial do Colégio Notarial Australiano e da Nova Zelândia que trabalha para a inclusão destes países como observadores junto a União Internacional do Notariado (UINL). “Diálogos sobre a circulação de atos que vão e vêm do sistema notarial latino para o anglo-saxão e vice-versa devem ser empreendidos para melhorar mutualmente ambos os sistemas”.

CNB-CF – Como é o papel do notariado no sistema Anglo-Saxão?

Michael Bula – O papel do notariado é realizar dos atos notariais para países estrangeiros. Como nós não temos um papel doméstico, como nas jurisdições de Direito Civil, nós preparamos todo ato notarial como nossos colegas do Direito Civil, mas para que sejam utilizados no exterior.

CNB-CF – Quais são os atos praticados pelos notários australianos?

Michael Bula – Eles se dividem em particulares (apenas reconhecimento de firma e autenticação de identidade) e públicos (atos autênticos do Direito Civil). Não possuem força probatória na Austrália, mas sim em países do exterior quando recebidos pelos notários. Os atos incluem procurações, declarações, cópias certificadas, certificados de leis estrangeiras (lei australiana) por notários, certificado de identidade e muito mais.

CNB-CF – Quantos notários trabalham na Austrália? Como o notariado em seu país é estruturado?

Michael Bula – Somos 3 mil notários para 23 milhões de pessoas na Austrália.

CNB-CF – Como é o acesso à profissão de notário em seu país? Precisa de aprovação em concurso?

Michael Bula – Para ser admitido como um notário no Estado de Victoria, onde eu atuo, um notário deve ser um advogado com 5 anos de experiência à frente de um escritório de advocacia ou sócio (não apenas um empregado). O candidato deve então completar a pós-graduação em práticas notariais ou ter o Certificado de Prática Notarial em nível universitário.  Há uma avaliação dos trabalhos escritos e, se for bem-sucedido, o notário é então nomeado pelo juiz Presidente do Supremo Tribunal Federal.

CNB-CF – Qual é o nível de utilização da tecnologia na atividade de prática diária? As escrituras notariais são realizadas eletronicamente?

Michael Bula – Na melhor prática, a tecnologia é utilizada substancialmente na prática diária. Nos principais cartórios, todo ato é realizado eletronicamente em formato PDF. Os arquivos são em Excel, arquivados e cruzados em conformidade.

CNB-CF – Qual é a imagem que as pessoas têm da atividade notarial em seu País? E o governo?

Michael Bula – A atividade notarial na Austrália é puramente para fins destinados ao exterior. Quando um cliente consulta um cartório, isso é somente para exportação ou trabalho internacional. Os clientes veem a nossa profissão como a de um advogado internacional. A Austrália faz parte da Convenção da Apostila da Haia e a profissão notarial é reconhecida pelo governo por essa razão. Notários são funcionários do Ministério Público no âmbito da convenção, pelos quais os atos da Apostila são praticados.

CNB-CF – Quais são os critérios para a divisão notarial no seu país?

Michael Bula – Os 6 Estados e 2 territórios na Austrália têm legislação própria para a nomeação de notários. Como consequência dessa divisão, regem o estabelecimento das câmaras ou sociedades notariais separadamente. A prática notarial, portanto, depende das leis do Estado e do território.

CNB-CF – Que comparação faz entre os sistemas notariais latino e anglos-saxão?

Michael Bula – Essa questão é difícil de responder. O sistema do notariado latino tem praticamente uma exclusiva função doméstica, dentro do País deles, com limitado trabalho no exterior. Isso está mudando. No sistema anglo-saxão os notários não têm função doméstica e toda documentação é destinada a países estrangeiros, sejam eles baseados em sistema anglo-saxão ou latino. Os atos de autenticação formam a maior parte da prática do sistema notarial latino, e não existem no sistema anglo-saxão, nem são regidos por códigos. No entanto, os notários australianos preparam atos de autenticação sobre uma base regular, os quais são feitos ou recebidos como autênticos somente pela sua aceitação como tal por seus colegas do notariado quando esses documentos chegam nos países deles. Sobre essas bases eu não posso apontar pontos favoráveis ou desfavoráveis de ambos os sistemas. Eles não podem ser comparados. Em vez disso, diálogos sobre a circulação de atos que vão e vêm do sistema notarial latino para o anglo-saxão e vice-versa devem ser empreendidos para melhorar mutualmente ambos os sistemas.

CNB-CF – Na sua opinião, pode haver uma integração entre os notários que trabalham em sistemas anglo-saxões e latino?

Michael Bula – Em vez de integração, eu defendo um melhor diálogo e entendimento para que o trabalho e as funções dos notários em cada sistema possa ser totalmente compreendida pelos outros para ajudar no comércio internacional de atos notariais. Novamente, no sistema anglo-saxão, nosso trabalho é puramente para exportação. Essa é a intrínseca diferença em valor e custo para essa questão. No entanto, a função do notariado anglo-saxão é justamente tão importante quanto a do latino, dada a circulação de atos entre os dois sistemas e entre atos internacionais.

CNB-CF – O notariado australiano tem interesse em aderir à União Internacional dos Notários?

Michael Bula – Em dezembro de 2007, quando fui presidente da Sociedade de Notários de Victoria, eu apresentei um pedido para que o notariado de Victoria (como o principal da Austrália por suas qualificações, com os requisitos universitários que não existem em outros estados e territórios) se tornasse um membro da União Internacional. Nosso pedido não foi, em última análise, bem-sucedido, porque a União avaliou nossa posição como não ter atingindo o critério requisitado para aceitação. Isso foi principalmente devido à não existência de uma lei australiana local do ato de autenticação. No entanto, em 10 de outubro de 2016, um pedido foi apresentado pelo presidente da União Internacional do Notariado, para que assumíssemos um status de observador. Será inicialmente para a força-tarefa do Direito Civil/Anglo-Saxão e quaisquer outras comissões ou órgãos competentes que a União e nosso notariado julgarem adequados. A diferença é o pedido pelo status de observador que foi apresentada por mim em nome do colégio notarial da Austrália e da Nova Zelândia e agora nós estamos aguardando a resposta. Nossa visão é de que o status de observador inicialmente é a melhor abordagem para iniciar o tão necessário diálogo entre notariados australianos (Anglo-Saxão) e os notários latinos da União Internacional. Fui nomeado como o representante especial do Colégio Notarial Australiano e da Nova Zelândia para lidar com o pedido do status de observador e para representar com respeito o Colégio perante a União.

 

Fonte: notariado